residência.
residência.
Residência Marlúcia • João pessoa PB
Tal qual sabiamente elabora a poetiza estadunidense Emily Dickinson • 1830-1886 :
“Para preencher um vazio, inserir a coisa que o causou - tenta bloqueá-lo com outra - e mais vai se encarar - não se pode soldar um abismo com ar.”
A residência Marlúcia se desdobra às vontades do espaço.
A Residência Marlúcia nasce do respeito ao vazio — ao espaço outrora moldado pelas correntezas de um riacho que, mesmo ausente, ainda murmura sob a superfície do terreno. A casa se desdobra em dois blocos: o posterior, reservado à intimidade, e o frontal, destinado às áreas de convivência. Ambos repousam em margens opostas do antigo leito, conectados por duas passarelas largas e delicadas, traçadas como gestos de reconciliação entre terra e memória. Esses planos suspensos acolhem áreas de estadia e lazer, enquanto permitem que a natureza flua livremente, reagindo à lembrança das águas que retornam em dias de chuva.
A privacidade — desejo primeiro da moradora — manifesta-se através de uma sutil sequência de ripas verticais de madeira, cuja transparência é poética. Entre luz e sombra, estabelece-se uma coreografia sensível, que confere movimento à fachada e suscita surpresa a quem adentra o espaço: de súbito, a casa se abre, ampla e serena, revelando-se em diálogo permanente com a paisagem.
Por fim, a integração com o entorno é reafirmada por um rasgo na cobertura — um recorte de céu que enquadra o tempo dentro da casa. Essa abertura não apenas ilumina, mas instaura um vínculo essencial entre o concreto e o espaço: interação necessária, entre concreto e natureza, entre céu e terra, entre espaço e lugar... interligando a obra à natureza em um tom respeitoso. Assim, a Residência Marlúcia se oferece ao vazio como matéria arquitetônica: um gesto de escuta e reverência, em que o silêncio se torna estrutura, e o espaço, fundamento sensível da presença humana.
................................................................................................................................................................................................................................................
DICKINSON, Emily. Uma centena de poemas: Emily Dickinson. Tradução, introdução e notas por Aila de Oliveira Gomes. São Paulo: T.A. Queiroz: Ed. da Universidade de São Paulo, 1984.