residência.
Residência Ju • Brasília DF
“(…) Gostaria muito que a casa fosse dentro de um jardim, mas como não dá, eu quero um jardim bem grande.”
A frase, proferida pela motivadora do projeto, tornou-se o ponto inaugural das intenções projetuais — um gesto de desejo inalcançavel, que se converteu em princípio de criação. O terreno, propriamente dito, que em sua contextualização natural parecia concordar com a cliente, exprimia a as vontades da natureza: um espaço onde o tempo parecia repousar entre o canto das aves e o verde da vejetação. Coube aos arquitetos apenas reconhecer o óbvio — ali, o jardim sonhado já existia, não era impossível, e pedia para ser preservado.
Com um declive de três metros que se diluía sob a mata arbustiva, o olhar percebia ao fundo uma massa contínua de vegetação, quase impenetrável. Ao percorrer o espaço, revelavam-se nuances antes invisíveis: o murmúrio das folhas, o sopro fresco que acompanhava o voo dos pássaros vindos do criadouro vizinho, o rumor distante da nascente que insistia em manter o verde vivo mesmo nas secas do cerrado. Cada elemento parecia dizer — em silêncio — que a natureza já havia projetado ali sua própria arquitetura.
Durante uma das visitas, o terreno abrigava uma cena de delicada familiaridade: vizinhos e parentes, reunidos em cadeiras de praia, partilhavam a tarde sob o sol de domingo. Riam, conversavam, observavam as crianças correrem livres pelo espaço que, em breve, seria transformado.
Quando indagados, disseram ao arquiteto que aquele encontro se repetia a cada fim de semana — um ritual espontâneo de convivência, prestes a se perder nos ecos de uma construção.
Diante disso, o projeto foi movido pelo dever de preservar a essência viva daquele lugar — um gesto de permanência, capaz de acolher o que já existia e convertê-lo em arquitetura. Assim nasceu o partido: a casa como praça — um território diluído em diferentes níveis, onde o programa de necessidades se desdobra como continuidade das relações familiares que ali já aconteciam.
A residência não se encerra em si mesma; ao contrário, abre-se em reciprocidade com o entorno, permitindo que o jardim invada seus espaços e que a vida circule livremente entre o dentro e o fora. Cada ambiente é concebido como extensão do solo e do verde — um lugar poroso, permeável, onde a fauna encontra refúgio. Entre os vazios e cheios, criam-se passagens sutis para os pássaros que ali permanecem, perpetuando a atmosfera de convivência e espontaneidade.
A casa, portanto, não é abrigo isolado, mas extensão do jardim sonhado — um lugar onde o habitar se confunde com o estar ao ar livre, e onde cada gesto cotidiano reafirma a delicada harmonia entre natureza, memória e arquitetura. Afinal, uma experiência em que o humano se reconhece parte do espaço, e não seu limite.